segunda-feira, 25 de abril de 2011
   - Pode colocar em bomba que eu estou entrando... - falou enquanto se escovava aquele famoso cirurgião cardíaco.
Esporro na rapaziada...
   Silêncio sepulcral. Ele entra na sala procurando a compressa para secar as mãos e suas luvas, pescrutando o ambiente, escaneando a equipe a procura de um infeliz para acabar com o dia. Entra em campo já reclamando da incisão, do posicionamento dos tubos de circulação extracorpórea, do fluxo da CEC, do anestesista, do perfusionista e do café que estava fraco pro seu gosto.
   Uma hora depois, tendo xingado 2 auxiliares, o anestesista de burro, a instrumentadora de vadia, jogado objetos diversos nos presentes, como bisturis, pinças e até a serra elétrica usada para abrir o osso esterno, deu-se por satisfeito e saiu do campo, sorrindo. O dia começara bem, e prometia, pois tinha mais duas cirurgias e aquela era a primeira semana de vários residentes, ou seja, material farto pra maltratar, humilhar e tripudiar. 
   Na saída do centro cirúrgico despediu uma técnica de enfermagem pra não perder o hábito. Uma cirurgia com ele que não houvesse pelo menos um demissão era considerada aborrecida...


    O primeiro caso de intervenção cirúrgica no coração é atribuído a Ludwing Rehn, que, em setembrode 1896, suturou com sucesso um ferimento cardíaco. O paciente era um rapaz de 20 anos com uma laceração de 1,5 cm na face anterior do coração. Este procedimento já havia sido tentado, mas ao que tudo indica, este paciente foi o primeiro a sobreviver. Entretanto, existem razões válidas para considerarmos que o início da cirurgia cardíaca ocorreu bem antes, em 1810, quando foram relatadas drenagens cirúrgicas do pericárdio por Francisco Romero, na Espanha, e Baron Jean Dominique Larrey, na França.
Alfred Blalock
   Em 1939, Robert E. Gross e John P. Hubbard publicaram, no Journal of the American Medical Association, a ligadura do canal arterial em uma menina de 7 anos, medindo 7 mm de diâmetro, usando um único fio de seda número 8. Este acontecimento é considerado como o marco inicial da era moderna da cirurgia cardíaca.
Vivien Thomas
   Em 1944, o Dr. Alfred Blalock, em Baltimore, realizou aquela que seria o segundo e importante marco no desenvolvimento do tratamento cirúrgico das cardiopatias: a anastomose subclávia-pulmonar no tratamento dos casos de Tetralogia de Fallot. Essa cirurgia foi tema de um filme produzido pra televisão nos EUA, aqui foi traduzido seu título para "Quase Deuses". O filme conta a história de como Vivien Thomas, que era negro e não era médico, ajudou a desenvolver o instrumental necessário para cirurgia, tendo inclusive entrado em campo a pedido de Blalock, escandalizando a sociedade e o meio médico na época.


Dr Geniváldson
   Geniváldson era aquele tipo de sujeito que tinha tudo pra dar errado. Proveniente de uma numerosa família do sertão do Nordeste, tinha 22 irmãos, todos com o "Geni" no início dos nomes (Geníldson, Genival e por aí vai...), típica criança que cresceu não se sabe como, comendo calangos e outros lagartos nos períodos de seca, queimado do sol inclemente da caatinga, magro igual um varapau. Sofreu bulying pesado nos colégios que frequentou, devido a sua magreza extrema e desnutrição, tinha apelidos como "caniço", "etiópia", "macarrão" entre outros.
  Veio pra São Paulo no lombo de um jumento junto com seus irmãos. Obviamente o jumento morreu por causa da carga excessiva, mas teve funeral com honras de Estado, pois além de transporte, o pobre bicho também foi a primeira namorada de vários de seus irmãos.
   Contrariando todas as expectativas de sua família de se tornar operário da construção civil ou sushiman, Geniváldson conseguiu se formar em medicina e se especializar em cirurgia cardíaca, mudando-se depois para uma cidade do interior de São Paulo, onde, bem sucedido, foi feliz para sempre.
   Esta é uma história de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Hein?




Máquina de CEC

   Uma das primeiras técnicas, usada para manter o corpo sem circulação, foi a hipotermia. Wilfred Bigelow, em Toronto, nos anos 50, realizou estudos em laboratório com a hipotermia, visando ao fechamento de defeitos interatriais com oclusão do retorno venoso. No entretanto, coube ao Dr. John Lewis, em 2 de setembro de 1952, na Universidade de Minnesota, a realização do primeiro fechamento de uma CIA, usando a técnica descrita por Bigelow. Apesar do sucesso destas operações, era aparente que, para a correção de defeitos intracardíacos mais complexos como as comunicações interventriculares, era necessário o uso de máquinas que substituíssem o coração e o pulmão.
   Em maio de 1953, o Dr. John Gibbon, no Massachusetts General Hospital, realizou, com sucesso, o primeiro fechamento de defeito do septo interatrial, com o uso de uma máquina de circulação extracorpórea (CEC) em uma paciente de 18 anos. Gibbon estava envolvido na pesquisa de um oxigenador desde 1937. Ele já havia operado, sem sucesso, um paciente com o mesmo defeito.
CIRURGIA DE RM
    Outros marcos: a primeira ponte venosa aortocoronariana foi realizada por Sabiston, em abril de 1962, mas o paciente faleceu 3 dias após, por AVC (acidente vascular cerebral) resultante de trombos no local da anastomose. A cirurgia de revascularização do miocárdio por pontes de safena ou mamária é a cardíaca mais praticada no mundo. A primeira operação de transplante humano para humano foi realizada por Christiaan Barnard em Capetown, África do Sul, em 3 de dezembro de 1967.





História verídica, eu era R2 e estava na sala com um R3. O cirurgião em questão tomava 40 mg de dienpax por dia...


Cirurgião: Já começou a protamina? (1)
R3: Já...
Cirurgião: Em qual soro está correndo? Está rápida?
R3: Não, tô fazendo na seringa bem lentinho, em 10 minutos.
Cirurgião: Mas você não colocou no soro?
R3: Não, o soro está empurrando, como eu falei estou fazendo lento na seringa.
Cirurgião: Põe essa porra no soro!
R3: Que é isso, professor, é a mesma coisa, o doente está estável...
Cirurgião: Mesma coisa o caralho, faz o que eu estou falando, porra, senão eu te arrebento de porrada lá fora! Detalhe: ele era um cirurgião com quase 60 anos de idade e bem magro. Meu R3 era novo e bem mais forte que ele.
R3: Seu filho da puta, vai se foder!
Quando o caldo ia entornar, pedi ao cara que saísse e eu terminei a anestesia. 
Reflexão: Em qual parte da cirurgia cardíaca os residentes tem aula de etiqueta? O cirurgião cardíaco é praticamente o analista de Bagé da medicina.


Como mencionei em outro texto, nesse ponto dei sorte aqui na minha cidade, os cirurgiões são razoavelmente equilibrados e gentis. Abraço pro Marcos, Alexandre e Genivaldo!




(1) Protamina: Droga utilizada para reverter a droga anticoagulante usada na cirurgia, a heparina, que não permite a coagulação do sangue quando passa pelos tubos e reservatórios da máquina de circulação extra corpórea. Não pode ser feita muito rápido, sob pena de instabilidade hemodinâmica.















quarta-feira, 20 de abril de 2011
   O "óleo doce do vitríolo", era como conhecia o éter sulfúrico o seu descobridor, o botânico alemão Valerius Cordus (1515-44), ao tratar álcool com ácido sulfùrico( o tal "óleo"). Nascido em Hesse, foi autor do famoso DISPENSATORIUM(1535) , publicado em Nuremberg, uma das mais afamadas coleções de receitas e as farmacopéias do Séc XVI, passando a história como a primeira farmacopéia oficializada. 
   O ácido sulfúrico suave foi descoberto pelo químico espanhol Raimundo Júlio(1235-1315) em 1275. Paralelamente o alquimista suíço Paracelso(1493-1541) descobria o efeito hipnótico do éter, mas só com o cientista germânico W.G. Frobenius é que passou a se chamar como tal.(1730).
   Michael Fraday havia notado, em 1818, que éter anestesiava como o óxido nitroso(gás hilariante do outro texto). Daí a começarem as festinhas com éter foi rápido. Era o lança perfume da época, ou seja, mais uma droga anestésica oriunda do desejo humano de ficar doidão, assim como o protóxido.
Morton, Thomas Green
   Agora aparece de verdade o herói de todos os anestesistas, o cara que conjugou tudo isso, com genialidade, engenho e uma pitada de sacanagem, e fez a primeira anestesia cirúrgica pública da História, em Boston, Massachussets:  o dentista William Thomas Green Morton.
    Roubando descaradamente a ideia de Horace Wells (lembram dele?), de quem foi discípulo e trabalhou em associação por um tempo, Morton experimentou éter num cão, que "amoleceu completamente em suas mãos e permaneceu insensível a todos os seus esforços para acordá-lo, mexendo nele e beliscando-o". Logo depois, o cão voltou ao estado normal, com a mesma vivacidade de sempre. Ele continuou com o cão, seus auxiliares e em si mesmo. Tentou arrumar cobaias em troca de uns trocados
   Dezesseis dias depois, em 16 de outubro de 1846(atualmente dia do anestesista), o dia D da anestesia moderna: No Hospital Geral de Massachussets, com uma platéia curiosa, o grande cirurgião John Warren retiraria um tumor venoso na mandíbula de um rapaz de 21 anos, Gilbert Abbot, sob anestesia geral. Um pequeno contratempo com o dispositivo que seria utilizado para a inalação do éter atrasou Morton, quase levando ao cancelamento do evento: "Como o doutor Morton ainda não chegou, suponho que deve estar ocupado com outra coisa", teria proferido Warren. Todos riram.
   Morton chegou esbaforido, aplicou a máscara no apavorado Abbot, e teria proferido solenemente o mantra dos anestesistas daí em diante, assim que o paciente perdeu a consciência: "Seu paciente está pronto, Doutor". O dispositivo não passava de um globo de vidro contendo uma esponja embebida em éter. Momento solene e tenso. Warren inicia a cirurgia e, para espanto da platéia pronta para ridicularizar Morton, o paciente não se mexe nem refere dor. Era um milagre! Warren dirigiu-se a todos: "Senhores, isto não é uma farsa!" O quadro aí ao lado é a reprodução mais famosa desse momento que mudou a história da cirurgia e por conseguinte, da medicina. Séculos e muito sofrimento passaram até que o homem aprendesse a dominar a dor. Não seria mais necessário que as cirurgias fossem feitas no máximo em poucos minutos, sob pena de perder o paciente por causa da dor.
    A notícia correu rápido, em 21 de dezembro daquele mesmo ano, Robert Liston, famoso  cirurgião apelidado "dedos de relâmpago", realizou a primeira cirurgia sob anestesia na Europa, no Universitty  College Hospital, Londres.  Liston era famoso por amputar uma perna em 2 minutos e meio.
    Muita coisa se passou desde então, mas nós, anestesistas, continuamos geniais e atrasados, como Morton naquele dia nublado de 1846...
  
 







domingo, 10 de abril de 2011
Zona de exclusão de Chernobyl
   O perrengue maior vem agora. Uma semana depois do desastre, o êxodo se intensificou em Chernobyl, cidade que ficava a 7 km da usina. 130000 pessoas foram retiradas de uma zona de exclusão de 30 km, muitos deles já seriamente contaminados. Muitos moradores evacuados chegam a relatar, principalmente os mais antigos, saudades dos tempos de guerra, onde pelo menos podiam VER o inimigo. A nuvem radioativa de césio 137 e iodo 131 chega a Bavária e norte da Itália, sul da França e Córsega, depois Inglaterra e Grécia, contaminando pastos e plantações. 10 dias após o acidente, Gorbachev convidou pessoalmente Hans Blix, presidente da AIEA, a visitar Chernobyl, colocando em prática a sua Glasnost (transparência, em russo), política que juntamente com a Perestroyka, deu início ao processo que culminaria no fim da URSS.

Embaixo a cagada era maior
Debaixo do reator: Toda água que foi jogada nas primeiras tentativas de resfriar o reator, que no caso da usina de Fukushima, recentemente, foi para o mar, acumulou-se debaixo do reator. O magma radioativo, com sua temperatura em elevação ainda, se rompesse as lajes por baixo, poderia vazar e causar uma segunda  explosão em contato com a água que teria consequências devastadoras, algo como evacuar toda a Europa, 3 a 5 megatons. Kiev seria varrido do mapa, a 320 km de distância, por exemplo.
  Moscou tomou 2 medidas: mandar um esquadrão de bombeiros drenar a água e depois selar o buraco mais efetivamente, com chumbo. Estes bombeiros seriam considerados heróis nacionais, mas os que não morreram sofrem até hoje de doenças ligadas à exposição. Apesar disso, algo tinha de ser feito para impedir o magma de continuar descendo, esfriá-lo mais efetivamente, pois por baixo do reator havia lençóis freáticos que, se contaminados, tornariam grandes rios da URSS impróprios para consumo.
  Foi considerada outra operação: mineiros de Toula, a 1000 km de Chernobyl, deveriam fazer um túnel de 150 metros, 30 metros de profundidade, até o reator, e construir um dispositivo de resfriamento que acabasse com o problema, mas não sem um número razoável de perdas humanas. 10000 mineradoras passaram pelo túnel, sem ventilação e com altas doses de radiação, sem máscaras ou roupas especiais. E o mais legal: os mineradores em nenhum momento foram informados do perigo que corriam. A maioria morreu.
   18 dias após o acidente, finalmente Gorbachev informa em rede nacional toda a extensão da desgraça.

O SARCÓFAGO:  A cereja do sundae: resolvido o resfriamento do reator, restava o buraco e toneladas de pedregulhos radioativos, expostos aos elementos da natureza. Era preciso selá-lo e limpar a área. Foi então projetado um imenso sarcófago de concreto para sepultar o reator, mas como fazer uma estrutura grandiosa, nunca antes construída, numa zona com radiação altíssima, em que os operários não podiam ficar muito tempo próximos? resposta: 18 bilhões de dólares, milhares de mortes, e a falência econômica da URSS, que também serviu para acelerar o processo de abertura e fim do comunismo.
liquidantes no telhado do reator
   Foi criado o termo "liquidantes", ou seja, aqueles que deveriam liquidar a radioatividade e selar o reator 4, além de limpar, casa por casa, as cidades de Chernobyl e Prypiat., matar um por um TODOS os animais da área, cães, gatos, gado, TUDO.
   A primeira parte do processo de construção do sarcófago foi a limpeza do telhado do reator, coberto por grafite altamente contaminado. Os robôs enviados inicialmente, devido a radiação, entravam em parafuso e se perdiam. Foi preciso mão de obra humana, num local em que os liquidantes podiam passar no máximo 45 segundos, tempo suficiente para jogar apenas duas pás de grafite de cima do reator. Foi um trabalho lento, cansativo, muitas vezes fatal.
   Caminhões, gruas, tratores, tudo teve de ser adaptado para construção do sarcófago de maneira grosseira, para tentar minimizar a exposição radioativa. As autoridades soviéticas também iniciaram uma campanha de desinformação na opinião pública, tentando diminuir o impacto sobre o Partido Comunista. Um exemplo disso foi a decisão de aumentar o nível de radiação "segura" à qual o ser humano poderia ser exposto, "curando" miraculosamente milhares de pessoas, dispensando-as de hospitais...
O sarcófago
   Os efeitos de Chenobyl são sentidos até hoje, milhares de pessoas são impossibilitadas de trabalhar e a Ucrânia recentemente reviu sua política de aposentadorias, deixando-os à mercê da sorte, transformando heróis em párias, cidadãos em estorvo oficial.


"O mais grave que vazou do reator 4 de Chernobyl não foram nuvens radioativas, foram as mentiras"
domingo, 3 de abril de 2011
Região da usina
  Em 1986 eu era um moleque de 13 anos, e como todo bom adolescente, só pensava em intróitos vaginais, mamilos e afins, então não lembro/não dei importância ao acidente na usina nuclear de Chernobyl, na atual Ucrânia, então União Soviética. Movido pela curiosidade depois do desespero nuclear que tomou conta do mundo após o acidente na usina de Fukushima, Japão, fui dar uma olhada no que estava dosponível na net sobre o assunto, além de ver uns documentários. Fiz um apanhado do que eu vi e postarei abaixo. O negócio foi muito mais sério do que eu me lembrava, estivemos a beira de um holocausto nuclear, apocalipse mesmo.
   A usina se localizava a 3km do assentamento de Prypiat, a 18 km da cidade de Chernobyl, atual Ucrânia.

Reator 4
O ACIDENTE:  Na madrugada do dia 26 de abril de 1986 os 176 empregados do bloco 4 realizariam um teste no sistema de auto abastecimento do reator, algo que poderia economizar energia. À 1:23h da manhã, o sistema de segurança foi desativado e o teste começou. Iniciou-se então uma série de detonações no coração do reator. O teto de 1200 toneladas foi jogado pra cima como se fosse um brinquedo, e um fluxo de vapor radioativo despejou urânio e grafite a vários km em torno da usina. Do buraco aberto, um spray de fogo carregou partículas radioativas em fusão, jogando-os a milhares de metros no céu, num espetáculo descrito como "maravilhoso", pirotecnicamente falando.
   As causas até hoje são motivo de discussão, sendo que as duas correntes oficiais, a de falha humana e a da falha de projeto na verdade parecem ter sido verdadeiras e complementares, o perigo do uso em certas condições agravado pelo erro humano. Os responsáveis, inclusive o chefe do bloco, ao levarem a cabo o teste, sabiam das falhas de projeto, mas eram, quase todos, provenientes de setores não nucleares de energia, não especialistas.

Cidade evacuada
AS CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS: No interior do reator, enterrado sob 14 toneladas de pedras, o grafite cercava o combustível nuclear, queimando e derretendo urânio. A consequência radioativa iria ser maior do que 2 bombas de Hiroshima combinadas. No Kremlin, 8 horas depois, ainda não se falava em explosão, apenas "acidente" e "fogo", Gorbachev ainda não tinha informações razoáveis sobre o acidente. Em Prypiat a vida dos 43000 habitantes transcorria normalmente, a única diferença era a presença de soldados com máscaras nas ruas e um certo gosto metálico nas bocas. Medições iniciais apontavam o nível de radioatividade era 15000 vezes o normal, medido em roentgens. à noite já era de 600000 vezes o normal. Durante aquele dia, os habitantes receberam mais de 5 vezes a dose de radiação considerada inofensiva, os níveis nunca tinham sido vistos antes e continuavam subindo, os contadores ficavam malucos.

Primeiros refugiados atômicos
EVACUAÇÃO: 30 horas depois da explosão, finalmente as primeiras medidas de segurança foram tomadas. Mais de 1000 ônibus chegaram e o exército anunciou a evacuação. De repente, a população inteira teria apenas 2 horas para separar o que gostaria de levar consigo, para nunca mais voltar, embora inicialmente a informação à população era que a saída era por 3 dias. Somente militares e membros de uma delegação científica permaneceram na cidade, apesar do perigo que corriam, obviamente subestimado.

DISSEMINAÇÃO:  A nuvem radioativa começou então  a se espalhar em direção a Europa e chegou a Suécia dia 28, quando então foi descoberta. Poeira radioativa de Chernobyl caía em forma de chuva em Estocolmo. 60 horas depois do acidente e nenhuma notícia tinha sido dada fora da URSS. Hans Blix, presidente da AIEA, entidade nuclear internacional, foi contatado em seu escritório,, mas alegou que nada sabia sobre acidentes. Satélites americanos se viraram para Ucrânia, descobrindo os destroços do reator em Chernobyl.
Areia e ácido bórico no reator 4
   Enquanto isso, no interior do reator, 1200 toneladas de magma branco continuavam a queimar a 3000 graus Celsius, enviando mais gás para atmosfera. 200 helicópteros mandados pelo Kremlin dia 28 para apagar o incêndio não poderiam passar mais de 30 minutos sobre os reatores, pois a dose de radioatividade seria fatal. Os melhores pilotos foram trazidos do front do Afeganistão para a operação de tentar jogar areia e ácido bórico no reator e apagar o incêndio.
efeito da radiação
   Começam a chegar ao Hospital 6, em Moscou, os atingidos por contaminação radioativa. Depois de um período inicial de náusea e diarréia, seguia-se um período de latência. Mais tarde, os sintomas fatais apareciam: deterioração da medula óssea e queimaduras graves, que iam até o osso, e morte.
   A essa altura, a radiação já se espalhava pela Ucrânia, Bielo Rússia e Rússia, mas a população continuava desinformada. Uma única nota de rodapé do Pravda, o jornal do Partido Comunista, em tom jocoso, falava sobre o acidente, dizendo que o perigo havia passado. As festividades do Dia de Maio ocorreram como se nada houvesse, mesmo nas áreas sabidamente contaminadas. Misteriosamente, todas as fotos do Dia de Maio de 1986 desapareceram dos arquivos nacionais da Ucrânia.
Continua...


  
segunda-feira, 21 de março de 2011
Priestley, Joseph
   O advento da anestesia não poderia vir de outro lugar senão a eterna e inescapável necessidade humana de fugir da realidade, do tedioso mundo físico e de si mesmo, enfim, de ficar muito doido mesmo. O óxido nitroso, vulgo gás hilariante, foi inventado em em 1772 por Joseph Priestley, teólogo britânico do século XVIII, cujo trabalho mais importante deve ter sido a descoberta do oxigênio, o "gás deflogisticado". Aliás foi esse apego à teoria do "flogisto", teoria antiga que dizia que a matéria continha flogiston, que o impediu de reconhecer a grandiosidade de sua maior descoberta.
Cartaz de apresentação
  O óxido nitroso foi inicialmente utilizado em festas e apresentaçãoes ao público, embaladas a muita inalação do gás, contido em bolsas de borracha. Segundo o poeta Robert Southey, ele fazia a pessoa "rir, cantar, dançar ou brigar, de acordo com o traço predominante de seu caráter". Sir Humphrey Davy tratava suas dores de cabeça com o gás, dizia: "...uma sensação agradável, idéias vívidas passam rápidas pela mente, e o controle dos movimentos é completamente  destruído..."
   Numa destas apresentações estava Sam Cooley, que na animação após a inalação feriu seus joelhos, e foi mais tarde, olhando para as pernas ensanguentadas que percebeu que um homem podia "entrar numa briga..." e não perceber ferimentos ou "se submeter a uma cirurgia sem sentir nenhuma dor no momento..."
Galera muito louca numa balada de gás...
   Entre os presentes encontrava-se Horace Wells, dentista de Hartford, que percebendo a importância da descoberta, no dia 11 de Dezembro de 1844, convidou um empresário de circo, Gardner Colton, que tinha feito a apresentação da noite anterior,  para presenciar uma experiência em seu consultório. Pediu que um colega seu, também odontólogo John Riggs (o mesmo da doença de Riggs), que extraísse um siso após a inalação de protóxido de azoto ( o outro nome do óxido nitroso). Com o sucesso da experiência e de mais de 10 casos depois, foi para Boston tentar ficar rico com sua descoberta.
Wells, Horace
   Apresentou suas idéias a um aluno seu, William Green Morton e ao renomado cirurgião John Warren em 1845 e resolveram por em prática suas idéias, diante de um anfiteatro lotado, inclusive aos desconfiados Morton e Warren. Aplicou o gás em um estudante de medicina para extração dentária e o mesmo...GRITOU DE DOR. Foi um vexame. Humilhado e desacreditado, Wells voltou para Hartford e desistiu da odontologia. Mal sabia ele que seu gás seria utilizado em anestesia durante quase 2 séculos agora, inclusive em consultórios dentários.
   Já li que sua experiência em Boston falhou porque o estudante de medicina utilizado era um tremendo cachaceiro, e por isso as doses de gás teriam de ser maiores para mantê-lo anestesiado. Bom, se for por isso, melhor não usar então NENHUM estudante de medicina em experiências do tipo, todos sofrem do mesmo problema...;)
   Hoje o óxido nitroso, além de consultórios dentários em alguns países, é usado em anestesia geral, mas não como agente único, sim como adjuvante dos anestésicos inalatórios, diminuindo seu consumo. Horace Wells morreu sem saber a grande contribuição que tinha dado para medicina, e todos os créditos do advento da anestesia foram para Morton, cuja história contarei outro dia.

Crianças, não façam isso em casa...


  
terça-feira, 1 de março de 2011
Paulo Tiefenhaler
   Nunca fiz resenha de nada, tanto por não ter canal adequado (não pegou bem essa...mas agora deixa...) quanto por nunca ter gostado tanto de uma coisa a ponto de fazê-lo, então este é um post diferente. Quem conhece este programa sabe do que estou falando, e quem não conhece, será apresentado ao MELHOR PROGRAMA DE HUMOR que a televisão brasileira já produziu na minha modesta e irrelevante opinião: O Larica Total.
   Larica total é um humorístico-culinário apresentado pelo excelente ator Paulo Tiefenhaler, até então bastante desconhecido da grande massa, injustamente a meu ver. Coincidentemente outro dia vi o cara numa participação na novela O Clone ao lado de Reginaldo Faria, limpo, penteado e falando com dicção precisa e não pude deixar de rir, já conhecendo seu trabalho no programa. Então, o programa é algo absolutamente tosco, em que Paulo de Oliveira (personagem do primeiro Paulo) dá "aulas" de culinária, mas uma culinária diferente: a culinária VERDADE, que nada mais é que aquilo que podemos produzir em casa com os instrumentos que temos, com os ingredientes disponíveis. A figura tosca do cara, com cabelo desgrenhado, o ambiente de sua própria cozinha num modesto apartamento no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro (bairro famoso pela boemia, o Montmartre brasileiro), cozinha essa na maioria dos episódios meio suja, bagunçada, com limo nos azulejos, louça suja em quantidade na pia são o cartão de visitas do programa.
   Há episódios que ele apresenta de pijama ou de moletom daqueles surrados de andar em casa, ou simplesmente de toalha após um banho. O cara é meio careca então a parte da cabeça coberta por cabelos ele faz questão de deixar em completo desalinho, parece a cara do Patolino quando a cabeça explode no desenho clássico da Warner.
   Outro hit do programa são os utensílios de cozinha: as panelas são antigas e sem tefal, ele só tem 2 facas, de cortar pão, que ele usa pra cortar tudo (depois, com o tempo, compra outra), as facas Total Flex. Uma única colher de sopa estranhíssima, formas amassadas e por aí vai. E ele usa com maestria a própria falta de instrumentos adequados pra fazer humor. Seu liquidificador da década de 80 simplesmente derrete num dos episódios em que ele pôs algo muito quente para bater, e o mesmo liquidificador todo fudido é usado daí pra frente, sem conserto.
   A dicção é a pior possível, um carioquês cheio de gíria, em alta velocidade, que ás vezes o torna ininteligível, o que também por si só é muito gozado. As referências que ele faz a vida de bairro, como quando ele cita os amoladores de facas que perambulavam pelas ruas antigamente, ou ao carro que compra ferro velho, têm um sabor especial meio nostálgico, principalmente pra mim, que estou chegando aos 40 e cresci numa casa no bairro da Ilha do Governador, subúrbio do Rio. Alguns termos que ele usa, como o clássico "XABLABLÁU", já incorporei ao meu dia a dia.
  São duas temporadas já, disponíveis no Youtube ou no próprio site do programa (Googleia aí...), vale a pena ver cada episódio. Sua busca incessante de patrocinadores nesses 2 anos, até o episódio especial em que ele finalmente acha um, o texto inteligente e tosco ao mesmo tempo são outros comemorativos do programa, que já foi premiado inclusive. Vou apenas falar um pouco sobre 3 episódios imperdíveis:

1) O Frango Total Flex: Vale a pena começar por esse, pois é o primeiro de todos e somos apresentados à figuraça do apresentador. O episódio tem como tema o solteiro, que acorda depois de meio dia e não sabe se toma café ou almoça. A introdução é engraçadíssima, e depois o já clássico " Olha pra mim...não tenho cara de quem vai te ajudar?", pergunta com o inescapável sorriso de conquistador barato carioca. E pra abrir com chave de ouro, o frango da receita está podre, teve que ser trocado, e isso realmente aconteceu, como ele relatou no Jô Soares tempos depois. Aí em  cima o vídeo...

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2) O Sushi de feijoada: Esse pra mim é o melhor de todos até agora. A premissa é o intercâmbio cultural Brasil-Japão, o texto é engraçado, a receita é daquelas que você não acredita que pode dar certo. A introdução, em que ele tenta cantar uma sambista com traços "orientais" é hilária, e o final apoteótico em que ele quase chora por falta de uma faca que preste para concluir a receita fazem deste o episódio perfeito. Veja aí em cima se não é verdade.


3) L'Uomo Club: O mote desse episódio em que o cara nos ensina a fazer drinks clássicos é que ele vai bebendo o que produz, e no final do episódio está travadaço, a fala lenta e empastada. Sim, ele bebe no programa, fuma e faz referências abertas ao uso de maconha: "...galerinha do fumo de rolo..." ou "você, que como eu, gosta de fazer uma fumaça: Vai lá, faça agora..." são expressões e frases que ele usa em outros episódios. Didaticamente também nos explica que o termo larica não se refere só a fome depois de fumar, é uma expressão do português antigo, que significa fome pura e simples.

O programa passa no Canal Brasil, sextas feiras, meia noite e meia...Isso aí, divirtam-se...;)
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

   Minha vida dentro do centro cirúrgico não tem nem de longe o glamour das séries médicas americanas por uma pequena, insignificante característica de minha augusta pessoa: sou um tanto quanto azarado, desastrado se preferir. Ela me acompanha desde priscas eras, mais ou menos quando aprendi a andar e acreditem, não tem melhorado com a idade. Sempre fui aquele cara que chega derrubando bebida em restaurantes, tropeçando e catando cavaco ou lesionando a pessoa mais próxima de alguma forma. No colégio eu já rolei de escada, dei cabeçada na trave de futebol, levei bolada no saco tantas vezes que já cheguei a perder a consciência durante um jogo. Tive que aprender a lidar com isso depois da vida médica pra não matar ninguém e fui razoavelmente bem sucedido, o que não significa que eu não continue atentando contra minha própria vida. Se eu fosse um desenho animado, sem titubear me classificaria como o coiote do Papaléguas ou o Patolino.
   Resolvi, com uma pequena dose de bom humor, classificar os pequenos e grandes acidentes da vida do anestesista, muito comuns no meu dia a dia, além  de outras condições que deveriam gerar um dinheiro extra em nossa conta por insalubridade.

1) Cortar os dedos em ampolas: A gente que quebra ampolas o dia inteiro já está acostumado com os pequenos machucadinhos do dia a dia, daqueles que a mamãe no máximo ia dar um beijinho e falar "quando casar,sara...". O fato é que pelo menos uma vez por semana eu me corto, na maioria das vezes cortes comparáveis à entrada do aparelho reprodutor feminino ou o Grand Canyon. Sou o único anestesista que eu conheço que já teve que levar DOIS PONTOS no dedo após um acidente com ampola, o cirurgião que deu os pontos ainda comentou "porra, já vi ferimentos com facas menores que esse aí!!". E o fato de além de ser azarado, desastrado, não ter boa memória, esquecer rápido e fazer a mesma merda na semana seguinte não ajuda.

2) Dar cabeçada no foco cirúrgico: Esse eu sou campeão, já perdi a conta da quantidade de galos que tive que por gelo durante o trabalho. Dificilmente passo um dia sem dar 2 ou 3 cabeçadas enquanto a cirurgia não começa e eles estão perigosamente posicionados muito baixos, parece que são seres com vontade própria a espreita, silenciosos, prontos pra atacar seres inocentes que teimam em transitar próximos. Costumo dizer que se ser humano tivesse chifres, eu ia ter que colocar novos quase todo dia...não sei se essa frase ficou adequada, mas enfim...

Caiu, levanta!
3) Cair da cadeira de fazer bloqueios: Essa também só vi acontecer comigo, e não foi uma vez só. A gente se senta pra fazer anestesias condutivas (raque ou peridural), na lateral da cama, com acesso às costas do paciente. às vezes, em alguns lugares que você vai elas não são lá muito estáveis. Daí, pra um cara como eu, cair é mole. O tombo mais engraçado que eu já tomei foi numa maternidade, eu lembro que a grávida estava muito estressada, nunca tinha entrado no centro cirúrgico, chorava e apertava as mãos da enfermeira. Na hora que eu sentei, automaticamente emborquei pra trás com fé, soltei sem querer um potente "AI CARALHO", o que só serviu pra aumentar o nervosismo da mãe. Ainda ouvi ela perguntar se estava tudo bem com o bebê dela...

Acontece...
4) Miscelânea: Aposto que vocês nunca ouviram falar disso: Estava indo em direção à recuperação pós operatória e vinha uma enfermeira na minha direção, distraída, balançando os braços ao caminhar. Não sei como ela conseguiu acertar minha digníssima bolsa escrotal com aquela força, mas ela conseguiu. Aliás, no lugar onde ela bateu nem precisava de força, foi daquelas porradas milimetricamente calculadas pra derrubar qualquer ser do sexo masculino. Ajoelhei no chão de dor, lembrando das boladas da época da escola, vendo um monte de pontinho preto. Óbvio que ninguém acreditou na hora que fosse sério devido a meu histórico de filha da puta. Essa menina até hoje fica envergonhada na minha frente, ela era novata na época, tipo primeira semana de serviço, e claro que eu faço questão sempre de lembrá-la do episódio, passando perto dela e fingindo proteger com as mãos a zona atingida no episódio.
   Outro prodígio sensacional que eu consegui com muito esforço foi com boas intenções. Estava de plantão numa maternidade, na hora da troca de plantão da enfermagem, a auxiliar estava sozinha. Eu, bom moço querendo ajudar, disse que tirava uma paciente da sala cirúrgica sozinho, para que ela pudesse arrumar a tal sala pra outro procedimento. Passei a paciente pra maca, abri a porta de vidro com o pé enquanto empurrava a tal maca. Já adivinhou. né? A porta voltou com toda força na direção da maca e espatifou em milhares de pedaços o vidro, causando um respeitável prejuízo. A paciente dormia tranquila e nem se deu conta...

Eu depois da explosão...
5) Explosão do conteúdo de seringas: Muito comum em drogas diluídas na correria quando você faz mais pressão do que deveria ou a seringa é vagabunda, sou bom nessa também. Ficar com a cara cheia de  cefalotina "explodida" é quase diário, mas semana passada foi ors concours. Estava eu injetando um monte de porcaria no soro da paciente quando a circulante de sala, provavelmente movida por ódio ou desejo de vingança contra minha ilustre figura, tirou o suporte do soro do lugar e consequentemente desconectando minha seringa, estourou droga pra todo lado, inclusive DENTRO DOS OLHOS. Depois de um sonoro putaquepariucaralho, fui lavar o rosto, uma ardência do cacete...humpf...


Foto minha rindo de um colega
6)Cirurgião humorista: Do ponto de vista psicológico o fator gerador de insalubridade mais grave em minha opinião é ter que rir de alguns colegas que juram que são humoristas de stand up. Eu tenho um colega cirurgião que é tão chato que consta no Guiness Book como causador do maior suicídio coletivo após uma piada mal sucedida. O cara conseguiria constranger até o Bozo. Temos inclusive uma piada interna entre a gente que, se alguém pisar na bola, chamamos o tal fulano pra contar uma piada. A ameaça costuma surtir efeitos.

Quem sou eu

Médico, anestesista, ateu e peão

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