segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Residentus sapiens sapiens
   Costumo dizer que o ser inferior mais próximo do ser humano é o residente. Exageros à parte, esse segmento da vida médica é dos mais ricos, pródigo em histórias, estressante, insuportável, sensacional. Faça um exercício mental: Imagine trabalhar 24 horas seguidas. Imaginou? Agora coloque uma bruxa maldita ou um chefe estúpido (chefe no sentido pejorativo, pois os dois chefes de residência que tive eram por acaso absolutamente justos e sensatos) berrando na sua orelha o tempo todo. Acrescente estudar ao mesmo tempo para saber bem o que você está fazendo mais períodos de privação de água, comida, bom senso. Já? Ok, agora vira um caminhão de merda na sua cabeça e pronto, você é um residente.
   Sem eles, o hospital público não funciona. Realizam as mais variadas tarefas, além de desempenhar sua função médica. Algumas delas:

1) Office Boy: O staff ou preceptor quer almoçar? O laboratório está demorando para liberar exames? Você esqueceu alguma coisa no carro, 13 andares abaixo? Sem problemas, chame seu residente e encarregue-o da tarefa, ele será o office boy mais bem formado que você terá. Lembro uma vez que um colega trouxe o almoço de um staff , e num dos sacos plásticos havia uma lata de refrigerante e uma moeda de troco. O cara, acintosamente, tirou a lata do saquinho e jogou com raiva no lixo, por causa da moeda. Azar o dele que esse meu colega era pavio curto, lembro de quase agressão física, tiveram que separar os dois. Parecia aquela briga de crianças tipo "cuspi no chão, se pisar no cuspe chamou minha mãe de puta e vai morrer..." Hoje os dois riem do episódio.

2) Psicólogo: Os staffs, no meu caso da anestesia, eram pessoas em constante crise existencial. Reclamavam de tudo e de todos. Do cirurgião, do salário, do salário do cirurgião, das condições de trabalho, do chefe, dos residentes...Obviamente hoje em dia eu deixo essas pessoas falando sozinhas, fujo, digo que estou com diarréia, invento um surto psicótico, finjo que estou muito ocupado e por aí vai. Mas na época arrumar inimizade com um staff do serviço não era um bom negócio. Agora imaginem eu, um sujeito sem a menor sensibilidade para esse tipo de serviço, tendo que escutar lamúrias reentrantes, principalmente das mulheres, e dar apoio, nem que fosse aquele clássico balançar da cabeça como quem diz "te entendo...". Chegava a doer fisicamente.

lerê lerê, lerê erê lerêêê
3) Médico Substituto: Essa é bem fácil de imaginar. Emprego público, ainda mais no RJ, paga salários ridículos. Os staffs dependiam, como todos nós, da clínica particular, suas cirurgias fora daquele ambiente. Quem mais indicado pra "segurar só uma horinha" a cirurgia pro cara ganhar dinheiro? Adivinhou, o residente. Geralmente essa horinha eram 3 ou 4, ou simplesmente o staff nem voltava. Eu pessoalmente não ligava de ficar completamente sozinho, o foda é que você não podia sair da sala, como residente, nem pra fazer xixi, ou seja, havia dias em que eu testava os limites da capacidade humana de reter eliminações fisiológicas...

4) Funcionário de pesquisas e trabalhos científicos a.k.a escravo: Às vezes não tinha como escapar, muitos "bons colegas" queriam realizar trabalhos científicos, mas precisavam da casuística. Nada melhor que um hospital público, onde o volume de doentes era alto, e eles não questionavam quando você os avisava que eram parte de um trabalho, pois era instituição de ensino.
Acontece que essas figurinhas, já conhecidas por nós, residentes, deixavam TODO trabalho braçal pra gente, e somente colocavam o nome nos créditos. Haviam várias maneiras de fugir dos mais sacanas, como dizer que já estava envolvido em outro trabalho; ou que o tema do trabalho tinha mais a ver com "..."(preencha a lacuna com o nome de qualquer colega seu que você não gostasse); ou que simplesmente você estava tratando de câncer ou tuberculose e ia ter que se afastar por um período...o importante era fugir.

5) Professor: Em algumas situações, depois de um período na residência, você já sabia mais que alguns staffs do serviço, e isso significava aguentar calado que eles fizessem atrocidades e asneiras diversas, e ainda falar em tom professoral sobre sua genialidade. Trombar de frente com essas bestas era inviável, tinha que se respeitar a hierarquia, e aqui sim, a maneira de agir exigia astúcia e sutileza. De uma maneira geral, você tinha que fazer o que VOCÊ achasse que estava certo, mas sempre deixando o staff pensar que ELE tinha tido a idéia, mais ou menos como naquele filme "Inception", plantar uma idéia na cabeça do sujeito. Outra coisa que eu fazia muito era mandar a figura ir tomar um café, fazer tudo que eu quisesse, e quando ele voltasse, dizer que estava tudo ótimo, que a anestesia dele estava perfeita.

  Residência não é só desgraça, pelo contrário, pela primeira vez na vida de médico temos um pouco de dinheiro, da bolsa e dos empregos extra (sim, ainda dávamos plantão pra tirar um extra). Geralmente solteiros, todos já com seus carros, é a fase onde mais fazemos estragos com o sexo oposto. Muitas destas histórias estão perdidas aí no arquivo do blog, leia se tiver saco. Falar nisso, se você está lendo isso e também tem um blog, ou simplesmente passa por aqui com frequência, cadastra aí ao lado no Google Friends Connect (followers), só curiosidade pra eu saber quem se suplicia lendo essas bobagens que eu escrevo. ;)

5 comentários:

Edilene Ruth disse...

Eu sou uma doida que lê isso aqui!!
hahahahahaha
3 vivas por eu não ter vocação pra área de saúde \o/ \o/ \o/
Beijo Doc.
Edilene

Fernanda Pereira disse...

Rapaaaaz, sabe que as únicas boas lembranças que eu tenho das minhas férias de verão no hospital são dos residentes? Povo legal pra caraca

Jorge, Karina, Fábio e Karine.

Jorge tinha todo jeito de pediatra. Karina de cirurgiã plástica, Fábio era o puxa-saco do chefe, tinha jeito de urologista e a Karine...essa sinceramente nem sei como entrou pra faculdade de medicina.

O fatão é que durante a segunda internação não queriam deixar a minha mãe ficar lá comigo, eu estava aos prantos, a pressão nas alturas...minha médica viajando ligaram pro Jorge, o residente bonzinho. O fofo apareceu no hospital às 2 da manhã, de pijama, com a namorada a tiracolo, pra assinar a autorização de acompanhante. O safado ainda me levou um pedaço de bolo e guaraná. Ficou ali até eu parar de chorar, no dia seguinte apareceu às 7 da manhã e foi direto no meu quarto saber se eu tava bem... Tinha como não amar?

Minha teoria é que os residentes é que fazem o hospital funcionar...

Naypolin disse...

Sempre tem o residente fofo e o fdp...

Semana passada, tive a experiencia com os 2 tipos.

1o. Residente em G.O, eu estava com exames comprovando que as dores eram do ovario (que estava bichado) e a filha da mae dizia nao ser... ai me deu aquele sorinho frajuta... pq achava que era falta de atençao... Assim foram os 3 dias.. indo e voltando do hospital com dor...

2o. foi uma outra residente, mto fofa... ela aplicou morfina direto, viu que a dor nao passava e entregou a residente 1o. para o dono do hospital.
no dia seguinte, ele estava la no meu quarto pra saber do ocorrido... Fez a cirurgia, nao cobrou nada... ca estou feliz da vida e sem dor!

(Na sala de cirurgia, estava a res. 1o, eu pedi pra nao deixarem ela por a mao em mim, e o anestesista disse : "Temos uma coisa chamada "Código de ética". Ela nao vai encostar a mao em vc. te garanto!) :O

=D

Hugo Pires Teixeira (@hugopt) disse...

Vc postou, cara pálida...

Andrea Vanzan disse...

Caraca, lembro da época que eu ia com o Hugo para o Centro Cirúrgico e ficava responsável pelo lanche da galera... nada como a vida de residente em Nutrição e namorada de médico... vida dura!!!

Quem sou eu

Médico, anestesista, ateu e peão

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