segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Ibn Sina (Avicena)
    Estava relendo pela trigésima vez o clássico de Noah Gordon, O Físico, aliás sou dos que acha que a tradução do original “The Phiysician” foi um erro, ficaria muito mais fidedigno “O médico”  ou “O Clínico”, por mais explicações forçadas que dêem para o título em português. Bom, o livro trata da epopéia de um médico na Idade Média, da Inglaterra a Pérsia, um dos berços da Medicina (acreditem, aquela região já prestou, e muito!), onde tem aulas com o próprio Avicena em pessoa. Pra quem não sabe, Ibn Sina  é um dos mais célebres filósofos e médicos da Pérsia medieval, era também astrônomo, químico, geólogo, paleontólogo e professor. Uma pena realmente que uma civilização tão avançada tenha dado origem a um país como o Irã, mas isso fica pra outro post.
   Conhecendo um pouco da realidade da Medicina de outras épocas me fez refletir no como eu sou feliz viver na época atual, e ás vezes quando ouço alguém reclamando de uma dor fraca ou ansiedade ou da espera por uma consulta de convênio, gostaria de apresentar um pouco dessa história pro mimizento. Não quero dizer com isso que devamos nos conformar com essas coisas só por causa do Passado, mas talvez pudéssemos encarar com outros olhos o tratamento médico atual . E foi a idéia desse texto, dar uma pincelada em alguns causos ou histórias e comparar com o que aconteceria hoje em dia.
   Pra começar, um trecho do próprio livro de Noah Gordon, sobre uma patologia hoje simplérrima, a catarata:
Facoemulsificador
Depois de conversar com o médico judeu Benjamin Merlin de Stafford, Rob se dirigiu para um povoado de Leicestershire onde sabia que Master Merlin havia operado um homem de catarata.

O povoado onde Rob estava era tão pequeno que nem tinha uma taverna (...) O trabalhador que estava mais perto da estrada interrompeu o movimento ritmado de ceifar para informar onde ficava a casa de Edgar Thorpe.

Rob percebeu imediatamente que Thorpe enxergava
(...) – estou aqui para fazer umas perguntas sobre a operação que restituiu sua visão porque tenho um parente que quer se tratar.
(...) Thorpe tomou um gole de bebida e suspirou.
- Espero que seu parente que quer fazer o tratamento seja um homem forte, com muita coragem.
Amarraram-me as mãos e os pés numa cadeia. Presilhas cruéis rodeavam minha cabeça, pendendo-a à cadeia de espaldar alto.Tinha tomado muitas doses e estava quase insensível com tanto álcool, mas então puseram um ganchinhos embaixo das minhas pálpebras, seguros por assistentes para que eu não piscasse. A minha doença era tão grave que eu só via os vultos na minha frente. Master Merlin segurava uma lâmina que ficava maior à medida que a mão descia, até cortar meu olho.
A dor fez evaporar todo efeito do álcool. Eu estava certo que meu olho tinha sido arrancado e não só a nuvem que o embaçava. Quando cortou o outro olho a dor foi tamanha que perdi a consciência. Acordei na escuridão dos meus olhos vendados e por quase quinze dias sofri horrores. Mas afinal consegui enxergar como não enxergava Há muito tempo...”

Cirurgia de facoemulsificação
Nos dias atuais, com uma anestesia tópica (colírio), o oftalmologista faz uma incisão milimétrica na córnea, e através de um aparelho chamado facoemulsificador, “dissolve” a catarata e a aspira, colocando no lugar uma lente intraocular que faz as vezes do cristalino. O paciente é submetido a uma sedação leve, levanta-se e vai embora na mesma hora. O pós operatório é praticamente indolor, e se houver dor, um analgésico comum costuma resolver. Diferente, não?


    Visita em enfermaria fictícia mas possível em uma faculdade de Medicina Inglesa do Séc XVIII:
“O cirurgião famoso passava em visita aos leitos seguido por seu séquito de alunos ansiosos por absorver qualquer pequena pérola de sabedoria do renomado professor. Ele era famoso por ser um dos cirurgiões mais rápidos da Inglaterra, condição essencial num mundo sem anestesia. Dizia-se que conseguia fazer uma amputação de perna em menos de 3 minutos. Um dos pacientes era um senhor  com um volumoso tumor de língua. Ele não titubeou, ali mesmo retirou o bisturi do bolso da casaca e, com a ajuda de um dos pupilos, decepou em um só golpe a lesão e parte da língua. O sangramento e o choque que se seguiu à cirurgia foram suficientes para matar o pobre homem, em meio a gorgolejos convulsivos no chão. A visita então continuou no leito seguinte após breve olhar de lamento do médico...”
Após exames pré operatórios e sedação Pré anestésica, o paciente seria submetido a anestesia geral e, após a cirurgia, extubado e levado a recuperação, já tendo tomado analgésicos e anti eméticos(drogas para não enjoar). Pós operatório tranqüilo apenas com analgésicos fracos.

Daí você fala: “Ah, mas comparar os dias atuais com o tempo anterior a anestesia é moleza. Depois dela tudo mudou, certo?” Errado! Caso 3(verídico):
“A cirurgia de amigdalectomia transcorria normalmente no paciente de 4 anos de idade, quando o cirurgião informou ao anestesista que o sangue estava com coloração escurecida. Ato contínuo o anestesista sentiu o pulso da criança diminuir e ficar filiforme. Interrompida a cirurgia, já em parada cardiorrespiratória, mudado  modo ventilatório e oxigênio a 100%, realizadas manobras usuais de ressuscitação com sucesso. Criança depois encaminhada a UTI, onde permaneceu até alta pra casa, com seqüelas  neurológicas graves, como afasia (incapacidade de falar) e distúrbios motores. Morreu um tempo depois por pneumonia, conseqüência de imobilidade prolongada e problemas respiratórios. O caso é da década de 1970”
   Hoje, com monitorização de oxigenação sanguínea(oximetria), cardíaca através de monitor, pressão arterial e capnografia(monitor de CO2) a queda de oxigenação e pulso seria percebida no início, dando tempo ao profissional de tomar as medidas cabíveis antes da deterioração do quadro. Essa é a monitorização padrão de qualquer anestesia geral. O problema no caso foi defeito em uma simples válvula do sistema respiratório.

Da próxima vez que você for ao médico, dê um grande abraço no cara e diga que você está muito feliz de viver em 2011...
   

1 comentários:

Fernanda Pereira disse...

Já me tiraram as amígdalas tbém... Tem tanta coisa no corpo que só serve pra operar...rs

Tá...eu vou ser mais tolerante e dar menos xilique, prometo ok?

PS: Veja que coisa, minha priminha Alice nasceu no último sábado, por volta das 16 horas. O parto, que estava sendo induzido desde de manhã, só aguardava o anestesista chegar. O cabra não apareceu a tempo e a pequena Alice chegou ao país das maravilhas pelas vias normais sem uma gota de anéstésico...rs. É o trânsito dos tempos modernos...rs

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Médico, anestesista, ateu e peão

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