segunda-feira, 25 de abril de 2011
   - Pode colocar em bomba que eu estou entrando... - falou enquanto se escovava aquele famoso cirurgião cardíaco.
Esporro na rapaziada...
   Silêncio sepulcral. Ele entra na sala procurando a compressa para secar as mãos e suas luvas, pescrutando o ambiente, escaneando a equipe a procura de um infeliz para acabar com o dia. Entra em campo já reclamando da incisão, do posicionamento dos tubos de circulação extracorpórea, do fluxo da CEC, do anestesista, do perfusionista e do café que estava fraco pro seu gosto.
   Uma hora depois, tendo xingado 2 auxiliares, o anestesista de burro, a instrumentadora de vadia, jogado objetos diversos nos presentes, como bisturis, pinças e até a serra elétrica usada para abrir o osso esterno, deu-se por satisfeito e saiu do campo, sorrindo. O dia começara bem, e prometia, pois tinha mais duas cirurgias e aquela era a primeira semana de vários residentes, ou seja, material farto pra maltratar, humilhar e tripudiar. 
   Na saída do centro cirúrgico despediu uma técnica de enfermagem pra não perder o hábito. Uma cirurgia com ele que não houvesse pelo menos um demissão era considerada aborrecida...


    O primeiro caso de intervenção cirúrgica no coração é atribuído a Ludwing Rehn, que, em setembrode 1896, suturou com sucesso um ferimento cardíaco. O paciente era um rapaz de 20 anos com uma laceração de 1,5 cm na face anterior do coração. Este procedimento já havia sido tentado, mas ao que tudo indica, este paciente foi o primeiro a sobreviver. Entretanto, existem razões válidas para considerarmos que o início da cirurgia cardíaca ocorreu bem antes, em 1810, quando foram relatadas drenagens cirúrgicas do pericárdio por Francisco Romero, na Espanha, e Baron Jean Dominique Larrey, na França.
Alfred Blalock
   Em 1939, Robert E. Gross e John P. Hubbard publicaram, no Journal of the American Medical Association, a ligadura do canal arterial em uma menina de 7 anos, medindo 7 mm de diâmetro, usando um único fio de seda número 8. Este acontecimento é considerado como o marco inicial da era moderna da cirurgia cardíaca.
Vivien Thomas
   Em 1944, o Dr. Alfred Blalock, em Baltimore, realizou aquela que seria o segundo e importante marco no desenvolvimento do tratamento cirúrgico das cardiopatias: a anastomose subclávia-pulmonar no tratamento dos casos de Tetralogia de Fallot. Essa cirurgia foi tema de um filme produzido pra televisão nos EUA, aqui foi traduzido seu título para "Quase Deuses". O filme conta a história de como Vivien Thomas, que era negro e não era médico, ajudou a desenvolver o instrumental necessário para cirurgia, tendo inclusive entrado em campo a pedido de Blalock, escandalizando a sociedade e o meio médico na época.


Dr Geniváldson
   Geniváldson era aquele tipo de sujeito que tinha tudo pra dar errado. Proveniente de uma numerosa família do sertão do Nordeste, tinha 22 irmãos, todos com o "Geni" no início dos nomes (Geníldson, Genival e por aí vai...), típica criança que cresceu não se sabe como, comendo calangos e outros lagartos nos períodos de seca, queimado do sol inclemente da caatinga, magro igual um varapau. Sofreu bulying pesado nos colégios que frequentou, devido a sua magreza extrema e desnutrição, tinha apelidos como "caniço", "etiópia", "macarrão" entre outros.
  Veio pra São Paulo no lombo de um jumento junto com seus irmãos. Obviamente o jumento morreu por causa da carga excessiva, mas teve funeral com honras de Estado, pois além de transporte, o pobre bicho também foi a primeira namorada de vários de seus irmãos.
   Contrariando todas as expectativas de sua família de se tornar operário da construção civil ou sushiman, Geniváldson conseguiu se formar em medicina e se especializar em cirurgia cardíaca, mudando-se depois para uma cidade do interior de São Paulo, onde, bem sucedido, foi feliz para sempre.
   Esta é uma história de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Hein?




Máquina de CEC

   Uma das primeiras técnicas, usada para manter o corpo sem circulação, foi a hipotermia. Wilfred Bigelow, em Toronto, nos anos 50, realizou estudos em laboratório com a hipotermia, visando ao fechamento de defeitos interatriais com oclusão do retorno venoso. No entretanto, coube ao Dr. John Lewis, em 2 de setembro de 1952, na Universidade de Minnesota, a realização do primeiro fechamento de uma CIA, usando a técnica descrita por Bigelow. Apesar do sucesso destas operações, era aparente que, para a correção de defeitos intracardíacos mais complexos como as comunicações interventriculares, era necessário o uso de máquinas que substituíssem o coração e o pulmão.
   Em maio de 1953, o Dr. John Gibbon, no Massachusetts General Hospital, realizou, com sucesso, o primeiro fechamento de defeito do septo interatrial, com o uso de uma máquina de circulação extracorpórea (CEC) em uma paciente de 18 anos. Gibbon estava envolvido na pesquisa de um oxigenador desde 1937. Ele já havia operado, sem sucesso, um paciente com o mesmo defeito.
CIRURGIA DE RM
    Outros marcos: a primeira ponte venosa aortocoronariana foi realizada por Sabiston, em abril de 1962, mas o paciente faleceu 3 dias após, por AVC (acidente vascular cerebral) resultante de trombos no local da anastomose. A cirurgia de revascularização do miocárdio por pontes de safena ou mamária é a cardíaca mais praticada no mundo. A primeira operação de transplante humano para humano foi realizada por Christiaan Barnard em Capetown, África do Sul, em 3 de dezembro de 1967.





História verídica, eu era R2 e estava na sala com um R3. O cirurgião em questão tomava 40 mg de dienpax por dia...


Cirurgião: Já começou a protamina? (1)
R3: Já...
Cirurgião: Em qual soro está correndo? Está rápida?
R3: Não, tô fazendo na seringa bem lentinho, em 10 minutos.
Cirurgião: Mas você não colocou no soro?
R3: Não, o soro está empurrando, como eu falei estou fazendo lento na seringa.
Cirurgião: Põe essa porra no soro!
R3: Que é isso, professor, é a mesma coisa, o doente está estável...
Cirurgião: Mesma coisa o caralho, faz o que eu estou falando, porra, senão eu te arrebento de porrada lá fora! Detalhe: ele era um cirurgião com quase 60 anos de idade e bem magro. Meu R3 era novo e bem mais forte que ele.
R3: Seu filho da puta, vai se foder!
Quando o caldo ia entornar, pedi ao cara que saísse e eu terminei a anestesia. 
Reflexão: Em qual parte da cirurgia cardíaca os residentes tem aula de etiqueta? O cirurgião cardíaco é praticamente o analista de Bagé da medicina.


Como mencionei em outro texto, nesse ponto dei sorte aqui na minha cidade, os cirurgiões são razoavelmente equilibrados e gentis. Abraço pro Marcos, Alexandre e Genivaldo!




(1) Protamina: Droga utilizada para reverter a droga anticoagulante usada na cirurgia, a heparina, que não permite a coagulação do sangue quando passa pelos tubos e reservatórios da máquina de circulação extra corpórea. Não pode ser feita muito rápido, sob pena de instabilidade hemodinâmica.















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