domingo, 8 de agosto de 2010
   Médicos, como algumas pessoas insistem em ignorar, são pessoas normais, que sentem as mesmas coisas, se deprimem, se excitam, comem, bebem e vão ao banheiro...e, para surpresa de muitos: SIM, nós dormimos também. Quando você chegar a um hospital de madrugada e o médico que te atender não estiver com a roupa alinhada e cara de sono, SIM, o cara estava dormindo, ele provavelmente está virando mais de 24 horas de plantão e vai trabalhar normalmente na manhã seguinte.
    A faculdade de Medicina e a Residência Médica, e tenho orgulho de dizer que freqüentei uma das melhores do país, a federal do RJ, são escolas como outras quaisquer. São freqüentadas por jovens em sua maioria, que ficam doidões ou bêbados na noitada, e/ou chegam em péssimo estado de conservação na manhã seguinte, fazem as mesmas merdas que outros nesta fase. É o melhor período de nossas vidas, nos sentimos acima do bem e do mal, indestrutíveis. Esta sensação desaba quando caímos no mercado de trabalho. Na faculdade temos a alegria e a excitação de mexer em cadáveres, aprender sobre nosso funcionamento, atender os primeiros pacientes, ter contato e conhecer aquilo que vai ser nossa futura especialidade, tomar esporros humilhantes e ver situações engraçadíssimas. Me lembro uma vez, num plantão de terceiro  ano, em que chegou ao PS um cara totalmente alcoolizado falando um monte de merda: o staff médico do plantão, um cara que não dormia nunca, colocou o estetoscópio na cabeça do cara, disse que suas ondas cerebrais estavam em total harmonia, que ele podia ir embora sossegado...e o cara foi. Fui chamado pelo oftalmologista deste plantão que estava no corredor às gargalhadas: entramos na sala, e, ao examinar os olhos da paciente com aumento  dava pra ver espermatozóides, bonitinhos, tentando nadar ainda e procurando o óvulo que nunca achariam. O namorado da menina só faltava morrer de vergonha, e nós dois ali, sérios, segurando o riso pra não constrangê-lo mais...

   Depois da formatura, a especialização. Nossa especialidade, a anestesiologia, é considerada escrava de cirurgiões, verdadeiramente nossos clientes, e, como terceirizados, temos que fazer de tudo pra agradar. Rir de piadas sem graça, recebê-los com um sorriso quando chegam horas atrasados, entre outras coisas. Mas tudo começou em 1846, quando Thomas Green Morton, um dentista americano, criou um inalador de éter sulfúrico. Obviamente a substância já existia, e até já era usada como anestésico, mas esse cara conseguiu o marketing certo, numa apresentação pública em Boston, e ficou com o nome na história, há relatos que ele passou por cima de outros colaboradores e ganhou a fama sozinho...

Na residência nos empolgamos com nossa escolha, pois é aquilo que amamos(quase sempre), ficamos ainda mais arrogantes, cheio de si com as primeiras cirurgias sozinhos, e, muito por conta disso, cometemos nossos primeiros erros. Entre nós, chamamos de FAZER MERDA mesmo, como qualquer um. Uma vez, no final de minha residência, última cirurgia de sexta feira, era dali pra praia...na ansiedade troquei uma ampola  e mandei uma senhora pra UTI por conta disso...(trocas de medicamentos são os erros mais comuns em nossa especialidade). O staff me mandou ficar de plantão ao lado da paciente até que ela saísse da UTI, o que ocorreu somente domingo...nunca mais troquei medicamentos em minha vida. Em outra vez, uma paciente de uns 80 anos na mesa cirúrgica, sedada: Falei pro cirurgião, brincando, que há 2 tipos de mulher, pra casar e pra cruzar...e não é que a velha abriu os olhos, e falou categoricamente: “Minha nora só serve pra cruzar, aquela filha da puta não sabe fazer um bife direito pro meu filho...”; o cirurgião dobrou de tanto rir e eu achando que ela estava dormindo...

Sim erramos também, e eu pessoalmente nunca vi nenhum colega chegar pra família do paciente e fazer como no seriado E.R., confessando toda culpa...Sim, nós também sentimos medo...
Então por que diabos você continua nisso até hoje? Acreditem, é apaixonante sobreviver fazendo aquilo que gostamos, o agradecimento da maioria dos pacientes por um resultado perfeito, até a chance fazer algo pelos que precisam nas cirurgias do SUS, e mais, o clima quase sempre alegre da sala de cirurgia, as piadas, as sacanagens. Acho que isso me faz levantar todo dia as 6 da matina, num frio do cacete, e seguir pra rua...

3 comentários:

tigos disse...

Porra Doutor! ri pacas aqui.... show de bola!

Mas é verdade... entre os males, o beneficio que se tem fazendo algo que gosta... é insuperável!

Liv disse...

Muito maneiro! altas histórias engraçadas! huauhauhhauhuauha

edpalo disse...

A vida como ela é...muito bom...rir para não chorar.

Quem sou eu

Médico, anestesista, ateu e peão

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